No mundo das fusões e aquisições, o valuation de startups, ou precificação de ativos, surge como uma ferramenta essencial para guiar decisões cruciais com relação ao negócio. Este processo determina o valor financeiro de ativos, empresas e investimentos e é a base que fundamenta estratégias de fusões, aquisições e alocação eficiente de recursos. Enquanto muitos consideram essa avaliação uma ciência exata, a realidade é que ela se encontra no epicentro das interseções entre dados tangíveis e intangíveis, destacando-se de forma singular no contexto das empresas de tecnologia.
Desde a definição de premissas até a aplicação de diversas metodologias, o valuation de startups é permeado por nuances que podem influenciar o seu resultado. Ao longo deste artigo, exploraremos os principais erros inerentes à tarefa de atribuir um valor preciso a startups. Desde a identificação de premissas cruciais, passando pelas diversas etapas do processo, até a aplicação de metodologias, cada decisão molda o panorama financeiro de uma transação. Adicionalmente, abordaremos as subjetividades envolvidas ao longo do processo de determinação do valor de uma empresa.
Usar metodologias não aplicáveis
A escolha da metodologia de valuation de startups desempenha um papel crítico ao avaliar startups, como citamos no post anterior, sendo essencial considerar as particularidades desse ambiente em constante evolução. Dentre as diversas metodologias disponíveis, algumas se revelam inadequadas para esse cenário específico. A metodologia de múltiplos de mercado, por exemplo, enfrenta desafios ao não encontrar players comparáveis, dada a singularidade de cada startup em termos de tamanho, segmento, perfil de clientes e estrutura de capital. Além disso, está sujeita a flutuações do mercado. Outra abordagem comum, baseada em múltiplos de transações precedentes, também apresenta limitações.
Transações realizadas em momentos diversos do mercado, seja em períodos de otimismo ou declínio, tornam difícil interpretar o múltiplo realizado na transação, assim como a sinergia subjacente que impulsionou a transação. Metodologias como método do patrimônio líquido, modelo de dividendos descontados e custo de replicação do produto enfrentam obstáculos específicos das startups, seja pela baixa relevância ou pela falta de distribuições de dividendos devido ao reinvestimento e/ou simplificação excessiva. Nesse contexto, destaca-se o modelo de fluxo de caixa descontado como a abordagem mais apropriada.
Ao refletir de forma mais precisa as operações e as expectativas futuras da startup, essa metodologia se alinha efetivamente com as dinâmicas desse ambiente em constante mudança. Assim, ao conduzir o valuation de startups, a escolha criteriosa do método torna-se crucial para uma avaliação precisa e informada.
Subestimar o custo de capital, e consequentemente o risco
O custo de capital representa a taxa de retorno exigida pelos investidores para financiar os projetos da empresa, incorporando o custo do capital próprio e da dívida, ponderados pela estrutura de capital. Essa métrica é crucial para avaliar a viabilidade financeira de investimentos, indicando o retorno mínimo necessário para atrair investidores e maximizar o valor para os acionistas. No entanto, o cálculo do custo de capital pode ser subjetivo, levando a valores arbitrários ou "chutes".
Dado que o custo de capital influencia os fluxos de caixa futuros de forma significativa, esse erro pode impactar severamente o valuation das empresas. Para evitar imprecisões, é essencial seguir metodologias específicas, como o custo ponderado de capital. Como estamos precificando uma empresa de tecnologia, certamente o ativo possui mais riscos envolvidos em seu valuation do que simplesmente a taxa de juros ou inflação. Como o custo de capital significa o custo de oportunidade para o investidor, ao se deparar com 2 ativos com o mesmo retorno, escolherá o ativo com menor risco. Caso o valor do custo de capital seja baixo, usando apenas a taxa de juros, não há incentivos para o investidor realizar o investimento. Dessa forma, adiciona-se riscos ao ativo, como o risco do país, risco de mercado e risco pelo tamanho da empresa.
Esse processo mais detalhado elimina riscos de subestimar o custo de capital, como ao considerar apenas a taxa de juros e ignorar outros riscos relevantes no investimento. Essa abordagem assegura um cálculo mais preciso e alinhado com a realidade, fortalecendo a fundamentação necessária para o processo de valuation de startups.
Como realizar o cálculo do custo de capital da maneira correta?
Para uma startup hipotética, o cálculo citado está descrito na imagem acima. Primeiro, multiplica-se a taxa livre de risco e o risco-país para chegar ao risco soberano. Após isso, adiciona-se o risco soberano, risco de mercado multiplicado pelo beta do setor em que a empresa se encontra, e o risco de Small Caps (empresas de baixa capitalização de mercado). No caso acima, o custo ponderado de capital é igual ao custo de capital (CAPM), devido a não presença de dívidas na empresa. Caso houvesse, bastaria multiplicar a proporção de capital próprio pelo CAPM, e o mesmo para o custo da dívida. Um equívoco frequente relacionado ao custo de capital é o aumento arbitrário desse custo, muitas vezes motivado pela dificuldade de realizar projeções precisas. Dada a sensibilidade da variável, tal abordagem não é ideal.
Em vez de aumentar arbitrariamente o custo de capital, a prática mais adequada é dedicar mais tempo à elaboração de projeções sólidas e fundamentadas e incorporar uma análise de sensibilidade ao custo de capital, tendo então uma abordagem mais eficaz. Em resumo, o custo de capital não deve ser inflado devido à qualidade inadequada das projeções. A ênfase deve recair sobre a aprimoração da precisão das projeções e a utilização de ferramentas como análises de sensibilidade para compreender melhor o impacto potencial das variações nas projeções no custo de capital. Essa abordagem contribui para um valuation mais robusto e alinhado com as reais condições e expectativas da empresa.
Desconsiderar necessidade de investimentos
Os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) têm crescido significativamente em diversos setores, especialmente em startups. Por esse motivo, um erro recorrente é subestimar os gastos com tecnologia e produto, reduzindo-os drasticamente em relação à receita ao longo do tempo.
Em particular, quando um produto obtém sucesso, é crucial realizar investimentos contínuos não apenas para manter o sistema atualizado, mas também para explorar novas fontes de receita. Esses investimentos e reinvestimentos operacionais devem ser realizados de forma contínua, permitindo que a empresa se adapte às mudanças no mercado de atuação. Ignorar essa necessidade pode representar um risco significativo, especialmente ao considerar a concorrência. Portanto, é fundamental reconhecer que o ambiente tecnológico requer uma abordagem dinâmica e contínua em relação aos investimentos em P&D. A adaptação às evoluções do mercado e a consideração constante da concorrência como um fator de risco são elementos essenciais para o sucesso sustentável de empresas nesse cenário.
Superestimar os intangíveis
Com frequência, empreendedores e investidores tendem a sobrevalorizar os ativos intangíveis de uma startup. Em situações em que a empresa possui processos internos excelentes, uma propriedade intelectual destacada ou uma marca forte, muitas vezes há a convicção de que essas características automaticamente atribuem um valor adicional à empresa - e, de fato, elas contribuem para uma precificação mais elevada. No entanto, é crucial compreender que esse valor adicional já está implicitamente considerado no modelo de fluxo de caixa descontado feito através das projeções financeiras, não havendo necessidade de se adicionar um prêmio no valuation por essas características.
Como exemplo, melhores processos e uma equipe qualificada influenciam positivamente na margem EBITDA, dado que a empresa necessita de menos pessoas e gastos para a sua operação, resultando em maior geração de fluxo de caixa livre e, por conseguinte, um maior valuation. Da mesma forma, uma marca forte pode praticar preços mais elevados para seus produtos, impactando a margem bruta e, consequentemente, o resultado operacional, ambos influenciando positivamente a precificação da empresa. Em resumo, essas características intangíveis, embora valiosas, podem levar a uma sobrevalorização dos ativos quando, na verdade, seu impacto já está considerado no modelo tradicional de fluxo de caixa descontado. A compreensão desse aspecto é fundamental para garantir avaliações mais realistas e informadas da startup.
Não ter clareza do quanto de capital será necessário para cumprir o business plan
Em muitos casos, há uma dose excessiva de otimismo ao projetar o futuro de uma empresa em relação à realidade do negócio. Durante o processo de projeção, é fundamental mapear todas as futuras necessidades de gastos da empresa e fazê-la de maneira precisa. Ao realizar essa análise, caso as receitas não acompanhem gastos devido a investimentos iniciais substanciais - como a contratação de uma equipe comercial cujos resultados só serão percebidos após 6 meses ou 1 ano, por exemplo - a empresa pode enfrentar a necessidade de caixa para financiar suas operações. Isso muitas vezes leva à necessidade de buscar investimentos adicionais ou contrair dívidas para viabilizar o plano de negócios projetado.
Caso contrário, as metas podem se tornar inatingíveis. Assim, emerge a necessidade de estruturar a estratégia da empresa em dois caminhos distintos: crescer de forma gradual e sustentável utilizando o próprio caixa da operação, ou realizar investimentos para um crescimento mais acelerado. A segunda opção, embora mais otimista, carrega consigo um risco substancialmente maior, impactando também no custo de capital da companhia. Essas decisões estratégicas têm um impacto direto no valuation da empresa. Os investimentos necessários podem resultar em demandas significativas de capital operacional e perda de eficiência, levando a margens deterioradas , o que, por sua vez, afeta negativamente o valuation. Portanto, é crucial equilibrar a ambição de crescimento com uma avaliação realista dos recursos disponíveis e das implicações financeiras associadas, visando garantir uma abordagem sustentável e equilibrada para o desenvolvimento do negócio.
Uso de premissas erradas ou desatualizadas
O setor de tecnologia apresenta características únicas, sendo frequentemente composto por empresas de menor porte que priorizam o crescimento em detrimento de uma gestão financeira mais robusta. Essa dinâmica peculiar impacta diretamente nas premissas operacionais e financeiras, que nem sempre refletem integralmente a realidade da companhia. Quando tais premissas incorretas são utilizadas, o processo de valuation, que por si já é delicado, torna-se ainda mais complexo, resultando em um grau de confiança reduzido nas estimativas. Um equívoco recorrente nesse contexto é a adoção de premissas baseadas em achismos, desprovidas de fundamentação concreta nos acontecimentos reais da empresa.
Um exemplo marcante disso é a otimista estimativa da entrada de novos clientes, sem considerar a capacidade da empresa de entregar esse resultado, como a necessidade de contratar pessoal de vendas ou o correspondente aumento na verba de marketing. Ao conduzir o valuation, é imperativo empregar premissas precisas e o mais próximas possível da realidade operacional e estratégica da companhia. Essa abordagem não apenas aprimora a confiabilidade do processo, mas também assegura que as projeções e avaliações estejam alinhadas de maneira coerente com o verdadeiro cenário da empresa, gerando maior credibilidade. Essa prática torna-se essencial para mitigar erros, fortalecendo assim a base do valuation em um setor tão dinâmico quanto o tecnológico.
Má qualidade das projeções
A natureza do setor de tecnologia traz uma particularidade significativa no que diz respeito à área financeira. Em contraste com empresas tradicionais, onde um padrão histórico de gastos comerciais ao longo de anos pode ser indicativo para o futuro, isso não se aplica de maneira direta às empresas de tecnologia. Devido ao estágio inicial de desenvolvimento dessas empresas, a ausência de um histórico relevante dificulta projeções precisas de custos e despesas. Isso destaca a importância dos modelos financeiros bottom-up, que se concentram detalhadamente nas operações da empresa. Esses modelos consideram elementos como a estrutura salarial por cargos, projeções de receita baseadas nas equipes de vendas e investimentos em marketing, além de prever os desembolsos futuros necessários para alcançar os resultados previstos.
Um equívoco comum nesse cenário é o crescimento rápido das receitas, seja por falta de embasamento ou pela subestimação dos prazos de desenvolvimento de novos produtos e funcionalidades, bem como dos montantes necessários para concretizá-los. Outro erro comum é não considerar perspectivas futuras do ambiente macroeconômico, como taxas de inflação, e considerar o potencial de crescimento do mercado em que a empresa se insere. A necessidade de realizar projeções que representem o máximo possível da realidade da empresa é crucial. Compreender como a empresa se desenvolverá no futuro requer uma abordagem cuidadosa e detalhada, especialmente dadas as características singulares do setor tecnológico em seus estágios iniciais de evolução.
Conclusão
No contexto das fusões e aquisições, o valuation surge como uma ferramenta crucial, fundamentando estratégias e decisões. Contudo, ao avaliar startups, essa tarefa complexa é permeada por desafios específicos. Exploramos a importância da escolha criteriosa de metodologias, destacando o modelo de fluxo de caixa descontado como a abordagem mais alinhada à dinâmica das startups. A subestimação do custo de capital, muitas vezes derivada de projeções imprecisas, foi abordada, ressaltando a necessidade de metodologias específicas e análises de sensibilidade. Além disso, discutimos a influência das premissas erradas no processo, enfatizando a importância de premissas acuradas para garantir um valuation confiável.
Analisamos o desafio de projetar gastos com tecnologia e a necessidade contínua de investimentos, destacando a adaptação às mudanças do mercado. Abordamos também a sobrevalorização de ativos intangíveis, evidenciando que seu impacto já está implícito no modelo tradicional de fluxo de caixa descontado. Finalmente, exploramos o otimismo excessivo em projeções e a influência direta nas necessidades de financiamento. As estratégias de crescimento, seja gradual e sustentável ou mais acelerada, foram contextualizadas, sublinhando seus impactos no valuation. Em resumo, a conclusão enfatiza a crucial necessidade de uma abordagem fundamentada no processo de valuation de startups, visando mitigar os erros comuns discutidos. Ao incorporar a realidade da empresa, essa abordagem não apenas fortalece a confiabilidade do processo, mas também confere maior credibilidade ao resultado da precificação. O reconhecimento e a superação desses desafios específicos do ambiente de startups são essenciais para garantir avaliações mais precisas e informadas, contribuindo para decisões estratégicas mais sólidas.
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