M&A

Insights da conversa Renato Pereira (Mercado Livre)

6 de fevereiro de 2024

No sexto episódio do Better Deals, a entrevista foi com Renato Pereira, Diretor de Novos Negócios no Mercado Livre. Renato traz uma trajetória profissional diferenciada que iniciou a partir de sua formação em engenharia mecatrônica, tendo trabalhado em indústrias mais tradicionais como aeronáutica e automotiva, até a mudança de carreira para a área de tecnologia após concluir um MBA.  

Renato ingressou no setor de tecnologia como CEO do Groupon Brasil em 2011. Nesse período, ele liderou a expansão do Groupon no mercado brasileiro e, posteriormente, se aventurou em várias outras iniciativas empreendedoras. Renato fundou startups em setores como gastronomia, educação e e-commerce, ganhando experiência nas áreas de Venture Capital e M&A. Essa fase de sua carreira possibilitou desenvolver as habilidades e o conhecimento que ele levaria para sua posição atual no Mercado Livre.

 

Mercado Livre: além do marketplace

O Mercado Livre, reconhecido inicialmente como um marketplace para produtos usados, evoluiu para uma das maiores corporações de comércio eletrônico e serviços financeiros da América Latina. Fundado em 1999 na Argentina, expandiu suas operações para o Brasil e atualmente está presente em 18 países, com escritórios físicos em 8 deles. O foco do Mercado Livre sempre foi explorar e dominar o mercado latino-americano, onde hoje representa um papel significativo.

A empresa, mantendo a essência de uma startup, diversificou seus negócios para além do marketplace tradicional. Atualmente, cerca de 98% de suas vendas são de novos produtos, oferecendo uma vasta gama de itens em diversas categorias. Um dos principais pilares do crescimento do Mercado Livre é o Mercado Pago, criado inicialmente como um sistema de processamento de pagamentos para aumentar a segurança nas transações do e-commerce. Hoje, o Mercado Pago evoluiu para um banco digital completo, oferecendo uma variedade de serviços financeiros, incluindo crédito, emissão de cartão de crédito, contas digitais com opções de investimento e seguros.

Além disso, o Mercado Livre se aventurou na logística, criando sua própria rede para melhorar a eficiência e custo das entregas. Outra área de destaque é a publicidade digital, onde a empresa utiliza seu tráfego e dados para oferecer soluções de publicidade altamente direcionadas e eficazes. O aplicativo do Mercado Livre, amplamente popular, está instalado em um terço dos telefones celulares no Brasil, país que historicamente representa mais da metade da receita do Mercado Livre.

 

Oportunidades vistas pelo Mercado Livre

 

Ao ser questionado sobre as oportunidades de crescimento no Mercado Livre, Renato destaca o potencial em setores como supermercados online (groceries), seguros digitais e a intersecção entre o comércio online e offline. Renato ressalta que, embora o segmento de groceries tenha crescido, ainda existe um desafio em torná-lo rentável, sustentável e escalável, considerando as margens pequenas, mas com alta recorrência de compras.

A área de seguros, abrangendo produtos variados como seguro de carro, celular e vida, é vista como uma oportunidade emergente. Renato aponta a necessidade de digitalizar e escalar esses serviços para atender à crescente demanda. Além disso, ele menciona mercados como o de imóveis e veículos, onde a integração entre experiências online e offline ainda oferece amplo espaço para inovação e melhorias.

Sobre Inteligência Artificial (AI) – buzzword do momento – Renato enfatiza o papel da AI não como uma oportunidade isolada, mas como uma ferramenta para explorar inúmeras aplicações. No Mercado Livre, a AI já é utilizada em diversas funções, desde a criação de anúncios até o cadastro de produtos, e continua sendo uma peça fundamental para futuras inovações e automações, especialmente em logística. Renato conclui que, mesmo após mais de duas décadas, o Mercado Livre ainda tem um vasto campo de oportunidades a explorar e desenvolver.

Renato destaca que a abordagem do MELI para fusões e aquisições (M&A) é baseada em oportunidades, sem uma equipe dedicada exclusivamente a essas atividades. Isso permite flexibilidade, com o mesmo grupo avaliando investimentos, aquisições e parcerias. Sem metas fixas para realizar aquisições ou investimentos, o Mercado Livre pode escolher não fazer nenhuma ação por anos. A frequência das aquisições varia, tendo anos sem nenhuma compra e outros com várias, seguindo um ritmo que depende das oportunidades disponíveis.

 

Principais tipos de aquisição e a visão do Mercado Livre 

 

Ao longo da conversa, exploramos as estratégias por trás das aquisições do MELI, destacando os três principais tipos identificados por Renato:

  • Acqui-hire: Foco em trazer talentos e know-how específicos para a empresa. Essa abordagem visa trazer para dentro da empresa equipes que se destacaram em suas áreas, como foi o caso de aquisições voltadas para o machine learning, onde líderes e equipes altamente qualificadas foram integrados.
  • Aquisição para Ganho de Market Share: Foco no crescimento rápido em mercados específicos ou complementação da presença em áreas já atuantes, exemplificado pela compra de uma empresa com forte atuação em maquininhas (POS) no Chile, acelerando a expansão do Mercado Livre nesse segmento.
  • Incorporação de Novos Negócios: Aquisição de empresas que oferecem produtos ou serviços complementares, possibilitando a entrada em novos mercados ou a adição de novas linhas de negócio.

 

Após explicar os três tipos de aquisição, Renato Pereira comenta sobre a evolução das estratégias de M&A do Mercado Livre. Ele destaca que, inicialmente, houve um foco maior nas aquisições do tipo acqui-hire e ganho de market share. No entanto, com a globalização e a facilidade de acesso a talentos internacionais, o modelo de acqui-hire puro tornou-se menos relevante. 

Agora, a estratégia se concentra mais em adquirir negócios que já têm sucesso em áreas onde o Mercado Livre vê potencial de crescimento ou inovação, mas ainda não atuou fortemente. Renato enfatiza a natureza oportunística dessas aquisições, indicando que o Mercado Livre está sempre em busca de empresas que conseguiram se destacar em seus respectivos nichos, apresentando oportunidades únicas de integração e expansão.

 

Avaliação de oportunidades pelo Mercado Livre

 

Ao mergulharmos no tema “o que torna uma empresa atraente para aquisição pelo gigante do e-commerce”, Renato esclarece que o tamanho da empresa, seja grande ou pequena, não é o critério principal. A relevância vem da capacidade da empresa-alvo em resolver um problema significativo para o Mercado Livre. Por exemplo, uma startup que oferece uma solução específica para automação de logística pode ser atrativa, mas o esforço para integrar esta tecnologia e equipe ao Mercado Livre deve justificar o ganho potencial. O processo de negociação também entra na equação, ponderando o impacto da aquisição versus os esforços e riscos envolvidos.

Renato discute a aplicação de filtros rigorosos para avaliar potenciais aquisições. O primeiro filtro questiona se a empresa seria valiosa mesmo se adquirida sem custos, eliminando 80% das oportunidades que não se alinham com os objetivos estratégicos ou que apresentam desafios significativos de integração. Problemas como dependência de fundadores, falta de governança ou escalabilidade questionável podem transformar uma aquisição promissora em um fardo, desviando recursos preciosos de liderança sênior do Mercado Livre. Além disso, empresas que exigem um esforço substancial de integração ou que operam com fluxo de caixa negativo introduzem urgências e riscos que podem não compensar os benefícios esperados.

A avaliação do valuation surge como um terceiro filtro crítico. Renato aponta para a discrepância frequente entre o valor de mercado durante as rodadas de captação e o valor real para uma aquisição, destacando casos em que startups sobrevalorizadas em rodadas anteriores se tornam inviáveis para compra. Ele distingue claramente entre valuation para investimento, que pode ser mais especulativo e baseado em projeções futuras, e valuation para aquisição, que requer uma análise conservadora e realista do valor atual da empresa. Essa distinção é crucial para evitar armadilhas de valuation e garantir que as aquisições sejam feitas de forma estratégica, agregando valor real ao Mercado Livre sem introduzir riscos desproporcionais.

 

A armadilha do Valuation: a influência da captação de investimentos em um processo de M&A

 

Em relação à avaliação de empresas para investimentos e aquisições, mergulhamos na complexidade e na subjetividade do processo de valuation, especialmente em startups em estágios iniciais com alto potencial de crescimento e queima de caixa. Destaquei o desafio de aplicar a metodologia de fluxo de caixa descontado a empresas que estão em um modo de crescimento tão intenso que a projeção de lucro é negativa a médio prazo. Esta realidade, marcada por um alto grau de incerteza, torna a avaliação tradicional praticamente inviável, levando ao uso de múltiplos como uma alternativa mais viável, embora ainda imperfeita.

A avaliação por múltiplos, segundo Renato, é uma mistura de arte e ciência, dada a dificuldade de encontrar empresas verdadeiramente comparáveis e a influência de fatores de mercado que podem distorcer os valuations. Ele ressalta a singularidade de cada empresa e as variações significativas mesmo dentro do mesmo setor, tornando a comparação direta um desafio. Este método requer uma combinação de análise objetiva com julgamentos subjetivos, onde a experiência e a diversidade de perspectivas no time de avaliação se tornam cruciais para equilibrar elementos objetivos e subjetivos na determinação do valor de uma empresa.

Renato também aborda como valuations equivocados em rodadas de captação podem complicar futuras transações de M&A, criando “armadilhas de valuation” difíceis de superar. Ele discute o otimismo inerente aos empreendedores e como isso, combinado com a estrutura de incentivos dos investidores, pode levar a avaliações inflacionadas que não refletem o valor real da empresa. Essa discrepância entre o valor esperado pelos investidores e o valor real da empresa aos olhos de um comprador potencial pode inviabilizar a venda, especialmente quando o capital levantado supera o que a empresa necessitava ou justificava.

Este cenário cria uma situação onde, mesmo em casos de crescimento impressionante, o resultado pode ser considerado insuficiente se não atingir as expectativas inflacionadas de retorno. Renato ilustra essa dinâmica com um exemplo de uma empresa avaliada pelos investidores de maneira otimista, mas que, na prática, a venda por um valor realista pode não satisfazer as expectativas dos investidores nem garantir uma recompensa justa para os empreendedores, evidenciando a complexidade e os desafios inerentes ao processo de valuation e a importância de abordagens realistas e fundamentadas para avaliação de empresas.

 

Recomendações de Renato Pereira para empresas que buscam um M&A

 

E para fechar com chave de ouro, Renato traz um lembrete valioso para empreendedores: além de focar nos números e estratégias, o poder das relações humanas é fundamental. Ele sugere que a construção de bons relacionamentos no mundo dos negócios não é apenas uma formalidade, mas um elemento crucial para abrir portas que estratégias puramente financeiras podem não conseguir. 

O engajamento genuíno, a partilha de progressos e desafios, e até mesmo encontros casuais para um café, se feitos com sinceridade e intenção clara, podem abrir portas que números e planilhas sozinhos talvez não consigam.

Renato relembra a lição aprendida durante sua própria jornada empreendedora: a eficácia de se cultivar relações duradouras e significativas bem antes de qualquer necessidade imediata de captação ou venda. Este pré-engajamento cria um terreno fértil para oportunidades futuras, onde a confiança e o conhecimento mútuo facilitam negociações e parcerias mais fluídas e frutíferas.

Portanto, para os empreendedores navegando no dinâmico mundo das startups, a recomendação é clara: além de aprimorar seu produto ou serviço e manter a saúde financeira da empresa, é importante o cultivo de relações autênticas no ecossistema de negócios. Este investimento em capital humano pode se revelar tão ou mais valioso que o capital financeiro, delineando o caminho para um sucesso mais amplo e sustentável.

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