Erros no business plan que afetam o valuation de empresas de tecnologia
Por Davi Jahn
No contexto das empresas de tecnologia, o business plan (BP) é fundamental para direcionar o crescimento, acompanhar seu desenvolvimento e atrair potenciais compradores e investidores. No entanto, erros comuns no planejamento podem comprometer o valuation da empresa, causando perda de credibilidade e aumento do risco da operação.
Exploraremos os principais equívocos a serem evitados:
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Otimismo sem embasamento
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Subestimar gastos e superestimar receitas
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Não considerar desafios de escalabilidade
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Inverter lógica da projeção da receita
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Não considerar a curva de adoção dos clientes
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Má qualidade dos inputs e premissas incorretas
Confira:
Otimismo sem embasamento
Projeções excessivamente otimistas, sem bases concretas, e o famoso gráfico em formato de "hockey stick", onde o crescimento é baixo no início e dispara repentinamente, são armadilhas comuns. Esse otimismo desenfreado pode inflar as expectativas e distorcer o valuation, dado o risco e a desconfiança no atingimento das metas estimadas.
Empresas de tecnologia muitas vezes caem na tentação de apresentar projeções de crescimento agressivas para atrair potenciais compradores e investidores. No entanto, sem fundamentos sólidos. Essas projeções podem rapidamente se tornar infundadas, resultando em perda de credibilidade e aumento do risco do negócio, impactando no valuation da empresa. Para evitar isso, é fundamental embasar as projeções em dados históricos ou capacidade provada de atingimento, estudos de mercado e testes reais de produto.
Por exemplo, se uma startup de tecnologia projeta um aumento de 200% nas vendas no próximo ano, ela deve ter dados claros que suportem essa previsão, como uma análise detalhada das tendências de mercado e um plano concreto para aumentar a capacidade de produção, venda e distribuição. É preciso considerar uma abordagem realista, a partir de metas alcançáveis e bem planejadas, e estar atento ao fato de que ferramentas de modelagem financeira, como projeções de fluxo de caixa descontado (DCF), podem ajudar a estabelecer previsões de crescimento baseadas em suposições realistas e fundamentadas, mas também podem inflar o valuation ao utilizar dados otimistas.
Subestimar gastos e superestimar receitas
Subestimar custos e superestimar receitas é um erro crítico. Muitas vezes, os gastos operacionais, como marketing e desenvolvimento são minimizados, enquanto as receitas são inflacionadas sem considerar a curva de adoção dos clientes, ciclos de vendas e capacidade de distribuição dos produtos. Empresas de tecnologia, em particular, enfrentam desafios únicos nesse aspecto, devido à necessidade constante de inovação e atualizações de produto.
Ignorar custos contínuos, como manutenção de software, suporte ao cliente e investimentos comerciais, pode levar a déficits inesperados e impactar de forma severa nas margens da empresa, pressionando a capacidade de geração de caixa. É essencial adotar uma abordagem realista nas estimativas, incorporando margens de segurança para imprevistos e possíveis alterações no meio do caminho. Uma análise detalhada dos custos e uma previsão de receitas baseada em evidências e estudos de mercado evitam surpresas desagradáveis e garantem um BP alinhado com a realidade. Gastos “extraordinários”, na verdade, acabam acontecendo de forma recorrente e devem ser considerados no business plan.
Por exemplo, ao realizar a projeção, o ideal é utilizar referências históricas - desde que estejam corretas, e verificar a capacidade da empresa em aumentar ou diminuir essas premissas. Usando como exemplo o churn: caso o mesmo seja de 1,5% ao mês historicamente e no business plan esteja sendo utilizado um valor menor, fazem-se necessárias as reflexões:
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Como essa diminuilção se justifica?
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Há capacidade provada de diminuição?
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Quanto custarão essas mudanças e iniciativas?
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Para essa diminuição, constam no BP maiores gastos com time de CS e retenção de clientes?
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Haverá uma mudança significativa na cultura da empresa para todos os setores se preocuparem com o sucesso do cliente e a retenção?
Para despesas, é útil pensar no que será necessário adequar para que a receita projetada possa ser alcançada de forma confiável. Um exemplo comum é a superestimação do crescimento de clientes sem considerar a capacidade da empresa de atender a essa demanda. Por exemplo, projetar um crescimento exponencial de novos clientes sem levar em conta a capacidade da equipe de vendas ou a infraestrutura necessária para suportar esse crescimento pode resultar em expectativas ilusórias.
Ainda no caso das despesas, também pode ser útil usar benchmarks da indústria para garantir que os custos previstos estejam em linha com o que outras empresas similares estão gastando.
Ademais, incluir uma análise de sensibilidade para diferentes cenários de receita e despesas ajuda a entender o impacto de variações nesses fatores no resultado do valuation da empresa.
Não considerar desafios de escalabilidade
Ignorar a necessidade contínua de investimentos e ass ineficiências durante o processo de escala pode comprometer o crescimento da startup e afetar de forma significativa seu valuation. Um exemplo comum é a empresa subestimar dificuldades no processo de escala, desconsiderando aumento de gastos com marketing e tendo como premissa a manutenção do CAC, enquanto o mais comum é o aumento do custo de aquisição de novos clientes por conta da saturação do mercado e das perdas de eficiência nos canais de distribuição. Outro exemplo é considerar vendas futuras de forma otimista: manter o índice de vendas por vendedor pode ser desafiador, visto que o canal de vendas satura e o mercado fica cada vez mais limitado.
As empresas de tecnologia devem mapear todos os futuros investimentos necessários e planejar a captação de recursos de forma estratégica. Isso inclui não apenas os custos imediatos, mas também os investimentos futuros necessários para sustentar o crescimento.
A preparação para escalar deve incluir a identificação de pontos críticos, garantindo que a empresa possa crescer de maneira sustentável e eficiente. Ter um plano claro para esses investimentos não apenas ajuda a garantir que a empresa possa crescer de maneira sustentável, mas também demonstra aos potenciais compradores e investidores que a startup está preparada para enfrentar os desafios do crescimento. Caso isso não seja estimado com confiança, haverá perda de margens inesperadas e gastos acima dos previstos, diminuindo a credibilidade frente à potenciais compradores e investidores, impactando o valor da empresa.
Inverter lógica da projeção da receita
Um erro de modelagem comum é tratar a receita como uma variável de saída em vez de uma entrada baseada em suposições realistas. As projeções financeiras devem começar com suposições claras e realistas sobre crescimento de clientes, taxa de conversão e outras métricas operacionais, que resultarão em uma receita como output dessas métricas, e não o contrário. Por exemplo, ao invés de começar com uma meta de receita anual de R$10 milhões, a startup deve analisar quantos clientes consegue atrair com sua equipe de vendas atual, qual a capacidade de contratação de mais pessoas no time comercial, qual a taxa de conversão esperada e quanto deve ser investido em marketing para atrair esses clientes. Após isso, verificar qual a receita de saída e analisar o que e como pode ser melhorado ou ampliado.
Modelar a receita conforme o business plan e a capacidade do modelo comercial garante que as previsões sejam fundamentadas em bases concretas, proporcionando uma visão mais precisa e confiável do futuro financeiro. Além disso, essa abordagem permite identificar rapidamente se as metas de receita são viáveis ou se precisam ser ajustadas. Utilizar ferramentas como análises de funil de vendas e KPIs de desempenho ajuda a definir metas de receita realistas e alcançáveis, alinhando as expectativas da empresa com a realidade do mercado.
Não considerar a curva de adoção dos clientes
Subestimar o tempo necessário para a adoção do produto pelo mercado pode levar a expectativas de receita inflacionadas e desalinhadas com a realidade. A curva de adoção do cliente descreve o processo pelo qual diferentes segmentos de mercado começam a usar um novo produto ou tecnologia. Compreender essa curva permite planejar o crescimento de maneira mais realista. Por exemplo, no lançamento de um novo software B2B, é comum que a adoção inicial seja lenta à medida que os primeiros usuários (early adopters) testam o produto e fornecem feedback. Só depois que esses usuários validam o produto, a adoção começa a acelerar. Ignorar essa fase inicial - mais lenta - pode levar a expectativas de receita irrealistas.
Análises de mercado e estudos de caso de produtos similares podem ajudar a prever melhor a curva de adoção e ajustar as projeções de receita. Além disso, estratégias como programas de referência e campanhas de marketing direcionadas podem acelerar a adoção, alinhando melhor as expectativas de receita com a realidade do mercado. Superestimar a curva de adoção para novos produtos desenvolvidos impacta de forma severa no valuation enquanto output do business plan, dado que, ao acompanhar os resultados da empresa, potenciais investidores e compradores podem punir a empresa por não estarem conforme o projetado ou ainda incluir um risco maior na operação, diminuindo seu valor.
Má qualidade dos inputs e premissas incorretas
A precisão e a confiança do Business Plan dependem diretamente da qualidade dos dados e informações utilizadas. Inputs incorretos ou desatualizados podem levar a conclusões equivocadas. Para garantir estimativas confiáveis, é crucial utilizar fontes de dados precisas e atualizadas, além de validar as premissas operacionais e financeiras para que as projeções possam ser embasadas no histórico recente da empresa, possuindo um grau de confiança maior.
Por exemplo, ao usar dados errôneos sobre os valores investidos em marketing, os gastos futuros para atração de novos clientes serão provavelmente subestimados, tendo como resultado um valuation maior do que deveria quando comparado a utilização dos inputs corretos. O mesmo acontece ao realizar projeções de números de vendas e capacidade comercial com base no histórico, caso esse não seja de alta confiança. O uso de dados robustos e a constante revisão das premissas operacionais garantem maior precisão nas projeções financeiras, fortalecendo a credibilidade do BP. Ferramentas como análise de sensibilidade e cenários alternativos ajudam a testar diferentes premissas e entender como variações nesses inputs afetam o valuation.
Conclusão
Um Business plan de sucesso deve servir como um orçamento para acompanhamento mensal das metas atingidas.
Embora o resultado mensal da empresa não seja exatamente como o projetado, ele servirá como um excelente guia para se ter um norte estratégico, além de servir como uma fonte de verificação para os resultados das mudanças feitas na empresa, ou ainda, para o impacto de mudanças futuras. No ambiente dinâmico do setor de tecnologia, a elaboração de um business plan robusto e realista é crucial para assegurar um valuation confiável e atrair potenciais compradores e investidores de maneira eficaz.
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