No último dia 10 tivemos a divulgação do relatório semestral da Rock Health , um dos principais players do mercado de VC em digital health nos EUA.
Conforme já era aguardado, os números apontam para uma redução da atividade de investimentos em 2023, possivelmente regredindo para patamares observados em 2019, seja em valores monetários, seja em números de deals .
Neste texto trazemos um breve resumo do relatório da Rock Health e traçamos um paralelo com o mercado brasileiro.
Fonte: RockHealth
Além de uma menor atividade de investimentos no meio das startups de digital health, o último semestre contou ainda com muitas healthtechs que realizaram captações sem divulgar os termos de suas rodadas. Algumas ainda levantaram novas rodadas com termos a serem definidos na captação subsequente, tentando evitar as conversas difíceis inerentes a um downround e a publicidade negativa que isso traria.
Em estudo realizado pela Liga Ventures, foi possível observar comportamento semelhante na atividade de funding de healthtechs no Brasil no último semestre (gráfico abaixo).
No que se refere a captações sem marcação de valuation, apesar de ainda não haver estatísticas sobre essa prática no país, não há motivo para crer que o mercado brasileiro tenha se comportado de maneira distinta, sobretudo tendo em mente algumas rodadas volumosas e valuations generosos que foram observados entre 2021 e 2022.
Com relação aos chamados "mega deals", chamam atenção dois pontos: (i) primeiramente, que o ticket médio dos mega deals permanece elevado, na casa de USD 180M, próximo do patamar do pico do boom de investimentos em healthtechs em 2021; (ii) apesar de haver uma quantidade menor de investidores nos mega deals, eles parecem melhor qualificados, com aumento da participação de CVCs que buscam apoiar healthtechs com diferenciais relevantes em termos de time, tecnologia e produto.
Esses CVCs se caracterizam justamente por aportar para além do capital financeiro, dando suporte para que essas healthtechs consigam ter uma jornada mais suave até a tração comercial. No Brasil há algumas iniciativas de CVC em saúde que são dignas de destaque, tais como Hospital Albert Einstein, Eurofarma e Fleury/Sabin.
Contudo, a atividade de CVC no Brasil ainda é muito incipiente e essas operações ainda se encontram no primeiro ciclo de investimentos.
Vale pontuar: ainda que a atividade de CVC tenha ganhado evidência no Brasil nos últimos anos (para mais detalhes, leia aqui ), convém ser conservador na comparação com a atividade de CVC de um mercado mais maduro, como o americano.
A publicação aponta ainda que, em meio a dificuldades para levantar novas rodadas, muitas startups seguiram no caminho do M&A. A atividade de M&A em digital health em si apresentou uma leve desaceleração nos EUA no último semestre frente a igual período dos anos anteriores, porém se destaca a motivação para as transações.
Do lado dos empreendedores americanos, a dificuldade de captação, bem como a janela mais estreita para IPOs reforçam o M&A como alternativa para aqueles que desejam alguma continuidade para seus negócios.
Em um cenário de zero IPOs de digital health no período, a RockHealth relata rumores de empreendedores que estariam coletando ofertas de potenciais compradores no mercado e avaliando as ofertas sob a luz dos termos que possuem junto a seus VCs para decidir sobre o melhor caminho a seguir.
Com exceção dos IPOs, que sempre foram poucos entre startups brasileiras, o cenário não é muito diferente - razão das motivações para se buscar M&As neste momento. Os dados acerca de empreendedores que estariam em busca de potenciais saídas são sempre difíceis de serem consolidados, afinal, uma “não-transação” não é pública.
Contudo, assim como nos EUA, correm notícias de startups que avaliam o M&A como alternativa de permitir continuidade aos seus projetos. Outra estatística que chama atenção é a diferença na dimensão e dinâmica de mercado.
Enquanto os EUA apresentam um mercado muito mais amplo e dinâmico, o Brasil ainda possui uma longa estrada a percorrer no que se refere a consolidar mercado e prover liquidez para o ambiente de startups. Isso fica nítido quando se avalia que nos EUA ocorreu uma média de 12 transações anunciadas por mês ao longo do último semestre, no Brasil foram cerca de 5 M&As com healthtechs ao longo de todo o período, conforme lista abaixo: Jan/2023 – Pipo adquire corretora da Convenia Mar/2023 – VIVO adquire Vale Saúde Sempre Mai/2023 – ALICE adquire base da QSaude Mai/2023 – TEM Saúde faz fusão com Bella Materna Jun/2023 – Cartão de Todos adquire Virtu
De certo modo as perspectivas apontadas pela RockHealth estão em linha com o que se pode esperar para o mercado brasileiro de healthtechs , no sentido de que devemos observar uma correção nos próximos meses/anos.
Após um período de euforia no mercado de digital health, como se viu em 2021/22, é esperada uma seleção natural de novos players que entraram nesse mercado, seja como investidores, empreendedores ou até mesmo parceiros. Dessa forma, os movimentos de consolidação devem ocorrer tanto nos EUA como no Brasil.
Por aqui, as startups continuarão com o desafio já conhecido e no qual sempre faço questão de comentar com empreendedores com os quais converso: vivemos num ambiente de menor liquidez, o que limita consideravelmente as oportunidades de saída, sobretudo após determinada faixa de valuation.
Nesse sentido, convém aos empreendedores que navegam nesse oceano questionar sempre prós e contras de realizar novas captações e, sobretudo, dimensionar de forma adequada essas captações. Vela a leitura: Como captar investimento da forma correta.