Quando se avaliam perfis de potenciais compradores é comum observar uma divisão em dois grandes grupos: estratégicos e financeiros. De forma geral, entre os estratégicos encontram-se empresas que já atuam no mesmo mercado ou em mercados adjacentes ao da startup adquirida, gerando assim maior probabilidade de absorção de sinergias na transação. Esses players possuem visão de mais longo prazo e miram integrar a companhia adquirida em horizonte não muito distante.
Os players financeiros, por sua vez, miram aquisições nas quais possam contribuir para acelerar e trabalhar evento de liquidez num horizonte de médio/longo prazo, multiplicando por algumas vezes o capital investido na aquisição. Alguns exemplos de players financeiros são fundos de Private Equity, Holdings e SPACs. Falei em outro artigo sobre as diferenças entre as duas categorias de compradores no que se refere ao processo de integração no pós deal (mais detalhes aqui )
Nos últimos anos, contudo, tem ganhado força uma nova modalidade de veículo de investimento no Brasil: os Search funds , que têm aparecido com cada vez mais frequência na sondagem para aquisição de empresas pequenas e médias, bem como de algumas startups. Neste artigo, apresento algumas características dos Search funds e qual o perfil de empresas que são usualmente alvos de suas aquisições.
O modelo tradicional de um Search fund compreende um veículo de investimento no qual um ou dois potenciais empreendedores ( searchers ) levantam recursos de investidores em duas etapas:
Na primeira, é captado recurso para sustentar a operação do time do fundo durante o período de busca do ativo a ser adquirido. É literalmente o período de busca, ou Search, que usualmente é estimado em até dois anos.
Finalmente, quando se define um ativo alvo para avançar numa aquisição, os searchers captam mais recursos com seus investidores para financiar a transação (segunda etapa).
Uma vez concluída a aquisição, os searchers assumem a posição de CEO da companhia adquirida, contando com suporte e mentoria de seus investidores. De certa forma, os searchers passam a empreender na medida em que também recebem uma participação na companhia adquirida, usualmente entre 15% e 30%, o que ajuda a alinhar interesses entre searchers e investidores.
Daí vem o nome “empreendedorismo por aquisição”, dado que os gestores de um Search fund podem empreender um negócio sem começar a operação do zero como em uma startup. Recentemente um estudo completo acerca dessa modalidade de fundos foi publicado pela FGV (acesse o estudo aqui ). No estudo são apresentadas em detalhes as características e perfis dos empreendedores, investidores e os fundos em si.
Em que pese esse tipo de veículo se apoiar nas melhores práticas de fundos já tradicionais como Venture Capital (VC) e Private Equity (PE), há diferenças marcantes. A principal delas refere-se justamente à composição do portfólio: enquanto em PE e VC os gestores recebem um cheque para buscar ativos que atendam determinada tese de investimento para compor um portfólio, nos Search funds o recurso é captado para uma aquisição específica. Outra diferença fundamental está na relação entre os gestores de PE/VC e gestores de Search funds com seus investidores (LPs).
Enquanto os primeiros possuem um mandato para prospectar, investir, gerir um portfólio e entregar retorno para seus investidores prestando contas conforme as regras definidas em seus regulamentos, os searchers se apoiam em seus investidores (Limited Partners - LPs) para buscar auxílio nas etapas de análise e até mesmo gestão da companhia investida. A participação que os fundos possuem na companhia investida também constitui uma diferença crucial entre os três tipos de fundos.
Tanto os fundos de PE e VC contam com posições nos conselhos de administração da companhia investida. Ainda que os fundos de VC tenham posições minoritárias, é regra buscarem também direitos que garantam sua participação no conselho. Por outro lado, os fundos de PE possuem flexibilidade para adquirir posições majoritárias, garantindo maiores direitos na governança da investida. Os Search funds geralmente adquirem 100% da companhia alvo e o gestor do fundo assume posição de CEO.
Por último, o prazo de saída do fundo. Geralmente PE/VC possuem um prazo de duração de 10 anos, podendo ser prorrogado por até um ou dois anos. Já os Search funds não possuem prazo definido, o que garante ao searcher maior flexibilidade para amadurecer e acelerar o projeto, bem como trabalhar a saída de forma mais estruturada.
Considerando todas as peculiaridades dessa modalidade de investimento, convém avaliar os perfis dos agentes envolvidos.
(a) Perfil do searcher : o mercado mais maduro para os Search funds são os Estados Unidos. Por lá se avalia que cerca de 84% dos searchers possuem MBA de faculdades tidas como de primeira linha. A idade média é de cerca de 32 anos e possuem experiência profissional que envolve passagens por fundos de PE, consultorias e até mesmo experiência empreendedora prévia. No Brasil, apesar de a indústria ser mais incipiente, os dados apontam para perfis não muito diferentes.
(b) Perfil do investidor : dadas todas as diferenças entre PE/VC e Search funds listadas na seção anterior, é de se supor também que os perfis dos investidores sejam distintos.
Apesar de haver investidores que aportam em todos os tipos de fundo, até mesmo como estratégia de diversificação, é comum encontrar entre os investidores de search funds os chamados Family offices e HNWIs ( High-net-worth individuals ), que são aqueles investidores que possuem USD 1 milhão ou mais de investimentos em ativos líquidos. Geralmente, os investidores de Search funds também possuem expertise executiva que seja útil para apoiar os searchers em sua jornada.
(c) Perfil do Vendedor : considerando que o search fund adquire posição majoritária ou controle total da companhia (80% a 100% das ações) e busca empresas sólidas, com fluxo de caixa positivo e boas perspectivas de crescimento no longo prazo, o perfil do vendedor envolve um empreendedor bem sucedido, que conseguiu fundar e escalar sua companhia com recursos próprios.
Geralmente são fundadores que não entraram no circuito de captação usual da indústria de VC e estão em momento em que buscam trabalhar um plano sucessório para suas empresas e/ou buscam rentabilizar todo o esforço e investimento empreendido ao longo de anos em suas operações.
Tendo compreendido o que são os Search funds e qual sua dinâmica, convém avaliar como está a atividade dessa modalidade de investimento no país. Excluindo os EUA, onde essa modalidade é mais madura, estima-se que existam cerca de 211 search funds ativos no mundo, dos quais 24 estão no Brasil (para mais detalhes, veja matéria do INSPER, disponível aqui ).
De acordo com a mesma pesquisa, avalia-se que, de 2009 a 2021, o número de Search funds na América Latina tenha avançado 39%a.a. Para o período de 2022 a 2026 se projeta uma expansão de 56%a.a. Naturalmente, essa expansão será influenciada pelo retorno dos fundos das primeiras safras. Contudo, é razoável supor que, na medida em que essa modalidade ganha popularidade, os Search funds ganhem força como uma categoria adicional a compor a carteira de investidores qualificados.
Como foi apresentado, tem ganhado força no país essa modalidade de veículo de investimento. Contudo, além de ser ainda uma modalidade muito incipiente, trata-se também de uma modalidade muito peculiar. Por um lado, os Search funds tendem a ser quase agnósticos, avaliando uma vasta gama de setores para investir. Por outro lado, possuem critérios de investimento relativamente elevados para o padrão de startups: receitas anuais já na casa de algumas dezenas de milhões; e margem EBITDA superior a 15% (alguns fundos exigem margens ainda mais elevadas). Com isso, o perfil de empresas alvo para Search funds se torna bastante restrito.
Tipicamente, uma startup que tenha trilhado o caminho usual de captações via fundos de venture capital dificilmente se encaixará nos requisitos para um search fund, sobretudo se ainda estiver queimando caixa. Contudo, aqueles empreendedores que conseguiram escalar suas operações até determinado patamar que satisfaz o critério dos searchers , sobretudo quando o fizeram de modo bootstrapping (sem investimentos de VC), deveriam avaliar com mais atenção a alternativa de saída para um search fund . Não raramente, essas startups podem entrar também no radar de outros perfis de potenciais compradores, inclusive fundos de PE.
Como discutido aqui, os search funds possuem o diferencial de ter maior disponibilidade de adquirir a totalidade das ações da empresa alvo. Nesse sentido, caso o empreendedor tenha maior preferência por liquidez, é provável que o search fund se encaixe melhor como potencial comprador de sua startup. Finalmente, deixo aqui também um link onde é possível se conectar com o universo de Search funds , desde empreendedores que estão avaliando novos negócios, investidores e até fundos que estão buscando oportunidades de aquisição. Basta clicar aqui .