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Problemas ao analisar indicadores financeiros 

Escrito por Bruno Gardinal | May 22, 2024 3:00:00 AM

Uma boa análise de empresas começa através do entendimento do modelo de negócio, da compreensão das operações de uma companhia e da forma com a qual ela gera receitas e administra recursos.  No momento da análise, a preocupação que deve permear a mente de gestores e analistas é o uso adequado das ferramentas que se tem à disposição.

A qualidade de uma análise reside na compreensão sobre a aplicabilidade dessas ferramentas e no entendimento sobre a composição dos valores envolvidos. Ao longo deste artigo, serão expostos alguns casos relacionados à construção de indicadores financeiros - que não representam a totalidade dos desafios, mas servem para ilustração da importância do entendimento da operação. Inicialmente, serão expostas questões relacionadas às informações contábeis e, em seguida, a atenção se voltará para os indicadores baseados em informações gerenciais. Vale mencionar que, para quem não conhece as diferenças entre as visões contábil e gerencial, temos um artigo no blog sobre o tema.  

Indicadores Contábeis: Prazos Médios e Capital de Giro

Um dos primeiros desafios, especialmente em empresas com baixo nível de governança, é a confiabilidade das demonstrações contábeis. A presença de operações não refletidas na contabilidade e a possibilidade de discrepâncias entre o plano de contas e a realidade operacional podem enevoar a precisão dos indicadores financeiros, o que distancia qualquer análise da realidade. Ao utilizar as demonstrações contábeis para análise econômica, é essencial realizar um exame crítico da composição das contas usadas nos cálculos. 

A seguir, serão abordados dois casos que demandam uma análise cuidadosa sobre a consideração de determinados valores.   Prazos Médios: Os indicadores de prazos médios são responsáveis por apontar a performance dos ciclos operacionais de uma empresa. Eles mostram, em média, quanto tempo se leva para receber dos clientes ou pagar fornecedores, por exemplo. Ele é calculado através da divisão entre contas do balanço por contas do DRE, conforme indicado nas fórmulas abaixo. O problema, nesse caso, geralmente surge na composição das contas.  É comum que empresas preparem suas contas para o fechamento do balanço, de forma a diminuir contas do passivo e aumentar contas do ativo, e esse movimento pode prejudicar a análise do indicador.     Além disso, pode haver sazonalidade no fluxo financeiro das empresas, de forma que possam existir distinções relevantes de saldos nas contas ao longo do ano. Se essas situações puderem ser identificadas através de uma análise global da empresa, do seu modelo de negócio, o resultado da análise se torna mais robusto.   Capital de giro: a definição do cálculo desse indicador é o primeiro desafio. Algumas fontes sugerem a inclusão de todas as contas circulantes do balanço, enquanto outras recomendam apenas as contas operacionais, dentro das circulantes.

Em casos de startups do tipo SaaS, por exemplo, há debates sobre a exclusão de contas, como o caso do estoque. Diante dessa diversidade de abordagens, a única maneira de determinar o cálculo mais apropriado é através, novamente, da compreensão do modelo de negócio.  Por certo, na maioria das vezes, analisar o capital de giro apenas pelas contas circulantes operacionais resolve o problema. Contudo, há casos em que uma conta de baixa relevância para o modelo de negócio é responsável por um saldo expressivo no balanço, o que afeta diretamente o resultado para o indicador. Dessa forma, é necessário avaliar conta por conta e sua devida relevância para o cálculo.  É fundamental compreender que a análise de empresas não se restringe aos números das demonstrações contábeis, mas trata do entendimento de como esses valores foram gerados.   

Indicadores Gerenciais: CAC e LTV

O CAC e o LTV são indicadores amplamente utilizados, especialmente no contexto das startups, mas sua aplicação não está isenta de questionamentos.    CAC: No cálculo do CAC, por exemplo, é comum o surgimento de dúvidas sobre a seleção de despesas que devem compor a fórmula. É o caso da segregação dos gastos com marketing, que podem estar relacionados à aquisição de novos clientes ou recompra daqueles que já estão na base.  Mais uma vez aqui, a resposta sobre o uso das variáveis, da segregação de despesas, está ligada à análise do modelo de negócio. É necessário entender como o processo comercial funciona e a partir disso dirimir a relevância de cada variável. Mais uma vez aqui, a resposta sobre o uso das variáveis, da segregação de despesas, está ligada à análise do modelo de negócio.

É necessário entender como o processo comercial funciona e a partir disso dirimir a relevância de cada variável. A forma adequada de se calcular o CAC é dividir todas as despesas envolvidas no esforço em trazer novos clientes, pelo número de clientes entrantes em um recorte temporal específico.   LTV:  No cálculo do LTV, é comum surgirem dúvidas sobre a forma correta de se realizar o cálculo. Geralmente, artigos na web indicam uma fórmula em que o LTV é dado pela multiplicação entre o tempo médio de permanência dos clientes e o ticket médio. O problema é que esse cálculo não leva em conta alguns fatores: o churn de clientes; o valor do dinheiro no tempo; e os custos envolvidos na manutenção desses clientes. De forma errônea, este cálculo foca apenas na receita bruta gerada pelo cliente.  A fórmula adequada para o LTV deve considerar a margem de resultado por cliente, sua taxa de retenção e uma taxa de desconto, para trazer seu resultado ao valor presente, como no cálculo abaixo. Em que M é a margem de contribuição, R é taxa de retenção (dado por churn - 1) e i é a taxa de desconto.   Por fim, uma forma apropriada de verificar a relação entre essas variáveis é dividir o LTV, calculado da forma correta, pelo CAC, para resultar no Retorno do Cliente.

Essa análise permite comparar o investimento feito em relação aos resultados gerados por cada consumidor, de forma semelhante ao return over investment (ROI).  

Conclusão

Compartilhei neste artigo os problemas mais comuns que encontramos nos indicadores financeiros de empresas que analisamos, no que diz respeito às perspectivas contábil e gerencial. É importante entender que a lógica de avaliação dos componentes dos cálculos deve ser uma preocupação constante para gestores e analistas. Um entendimento robusto do modelo de negócio da empresa, de forma que se entenda quais são as variáveis-chave, aquelas que realmente demandam atenção, é essencial para que se possa acompanhar a saúde de uma organização.

Dentro da análise de empresas, a dificuldade dos cálculos não se encontra no tamanho ou na complexidade das expressões matemáticas usadas, mas na inteligibilidade dos variados formatos operacionais que existem em uma companhia.