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O Lado Invisível do M&A: saúde mental e o impacto psicológico em fundadores e colaboradores

Escrito por Leopoldo de Lima | Sep 2, 2025 1:32:46 PM

Nos últimos anos, o ecossistema de startups no Brasil passou por uma forte aceleração em investimentos. Agora, com investidores exigindo retornos, fusões e aquisições (M&As) tornaram-se a principal via de saída para esses ativos. Segundo estimativas de Cássio Azevedo, o Brasil precisaria movimentar cerca de R$ 400 bilhões em M&A para fechar esse ciclo de capital de risco.

Essa movimentação já está em curso. De acordo com o M&A Deals Report 2025 H1 da Questum (se ainda não acessou, clique aqui), o volume de transações envolvendo startups cresceu mais de 70% no primeiro semestre de 2025, retomando níveis anteriores à pandemia. O estudo também aponta uma mudança qualitativa: os compradores estão mais seletivos, priorizando empresas com governança sólida, times preparados e modelos sustentáveis.

Mas, no meio de toda essa movimentação estratégica, um fator permanece pouco discutido: os efeitos psicológicos desses processos sobre os envolvidos, principalmente fundadores e seus colaboradores, muitas vezes companheiros de longa data na jornada empreendedora. Esse tema ganha ainda mais relevância quando observamos que também nos últimos anos maior atenção começou a ser dada para saúde mental no ambiente corporativo. Um destaque maior foi dado ao tema após a pandemia, com grande crescimento nos investimentos em healthtechs que atuam no segmento. Foi também a partir desse período que se observaram movimentos marcantes de aquisições no setor, como as transações feitas por Conexa (Psicologia Vica e Zenklub) e Gympass/Wellhub (Vittalk).

No presente texto vamos discutir o impacto que uma transação traz para os fundadores, seus colaboradores e pessoas-chave. Como esses impactos podem influenciar no sucesso da transação. Finalmente, trago algumas sugestões de como mitigar esses riscos. 

As emoções dos fundadores ao longo do processo

Para muitos fundadores, a empresa representa mais do que um ativo: é o resultado de anos de trabalho, identidade pessoal e propósito. Por isso, o momento da venda costuma vir carregado de ambivalência emocional, mesmo quando a decisão é racional e os números são atrativos.

O sentimento de perda de controle, medo do arrependimento e até luto organizacional é comum e, quando não reconhecido, pode afetar a condução do deal. Sócios podem divergir quanto ao momento certo de vender, o valor desejado ou o papel de cada um no pós-deal, criando tensões que interferem na narrativa da negociação.

Além disso, vieses cognitivos bem documentados, inclusive por autores como Daniel Kahneman e outros cientistas comportamentais, como o anchoring effect (tendência de se fixar em um número inicial, como o primeiro valuation oferecido) e a escalada de comprometimento (dificuldade em abandonar decisões anteriores por apego emocional), aparecem com frequência nesse tipo de processo.

Nesse contexto, uma analogia comum do lado de fundadores e empreendedores que passaram por um processo de venda de sua empresa é de se sentir numa montanha russa. Um dia se acorda com a sensação de que o processo é a coisa mais acertada a se fazer, no mesmo dia pode haver a sensação de dúvida, chegando à conclusão de que tudo vai dar errado e talvez seja melhor deixar tudo como está. Tudo para eventualmente antes de dormir chegar à conclusão de que avançar na transação pode de fato ser a coisa mais acertada a se fazer. Essa montanha russa de emoções com relação ao processo de venda é recorrente e compreender esse fenômeno permite aos fundadores se afastar minimamente do centro do problema e buscar uma orientação mais racional e menos emocional para a tomada de decisão.

O impacto silencioso sobre os colaboradores

A condução das tratativas com potenciais compradores envolve conversas estratégicas e sensíveis, de modo que a confidencialidade é imperativa para a atividade. Nesse contexto, é fundamental manter sigilo sobre aspectos relevantes da transação, que podem impactar as vidas e projetos profissionais de executivos e colaboradores. Muitas vezes, tais executivos e colaboradores são pessoas-chave para a operação da startup e por quem os fundadores possuem grande consideração. Desta forma, ao passo que os rumores acerca de uma possível transação surgem, mudanças sutis de comportamento da liderança e falta de clareza sobre futuro se não forem bem endereçados podem alimentar um ambiente de especulação e insegurança.

Além da incerteza acerca de suas posições, carreiras, etc, há também um ponto chave em aquisições de startups: a integração cultural e emocional. Estudo feito pela Deloitte reforça o papel do RH no cuidado com as pessoas, destacando que essa integração é um dos maiores riscos para as transações de M&A. Segundo o estudo, cerca de 30% das transações que falham relatam problemas na integração cultural como um dos motivos para a falha.

Esse cenário de insegurança, incerteza e instabilidade, pode acabar afetando outras métricas da startup adquirida e do consolidador. Segundo a M&A Community, a retenção de talentos no pós-M&A depende menos de incentivos financeiros e mais de segurança psicológica, senso de pertencimento e gestão transparente da mudança. Falhas nessa comunicação, alertam os autores, podem gerar fuga de talentos antes mesmo da conclusão do deal.

Efeitos extremos: saúde mental 

Os impactos psicológicos de um M&A podem ultrapassar o plano do engajamento e afetar a saúde mental dos envolvidos. Um estudo da Stockholm School of Economics identificou que aquisições corporativas elevam o uso de antidepressivos entre funcionários, especialmente entre aqueles em posições mais vulneráveis. O estudo analisou dados da Suécia e evidenciou uma queda perceptível no bem-estar dos colaboradores após M&As, mesmo em empresas que se mantinham operacionais.

Ao cenário de incerteza, muitas vezes se somam também a pressão para entrega do plano de integração, bem como situações onde a carga de trabalho se torna exaustiva visando a evitar entrar numa eventual lista de cortes. Em casos mais graves, o impacto na saúde mental dos colaboradores podem levar a ações extremas como o suicídio. Apesar de não haver estudos específicos que tracem a correlação entre tais casos com transações de fusões e aquisições, há relatos de que em ambientes excessivamente competitivos e com carga de trabalho exaustiva se elevam consideravelmente as chances de tais ocorrências (como pode ser visto aqui e aqui). No Japão esse fenômeno tem nome: karōjisatsu, o suicídio por causas laborais. 

Um dos raros estudos sobre o impacto da atividade de M&A na saúde mental de colaboradores data de 2012. Nesse estudo, publicado no Pubmed, foram pesquisados 3280 funcionários entre 25 e 64 anos ao longo de 12 meses. As evidências apontam que aqueles que haviam passado por um processo de M&A no último ano incorrem num risco de apresentar um quadro de transtorno de ansiedade generalizada quase 3x maior que aqueles que não passaram por uma transação, elevando assim o risco de depressão.

Como explicado em outro artigo da Harvard Business Review com o sugestivo nome de “Surviving M&A”:

“Para gestores e colaboradores, um processo de M&A não é somente uma estratégia corporativa; é um evento perturbador - e muitas vezes traumático”

Por que isso importa para o sucesso do deal?

O sucesso de uma transação não se dá no momento do fechamento. Sobretudo em transações de startups, onde quase a totalidade das aquisições envolvem um componente de earn-out, é fundamental garantir o sucesso da etapa da integração. Neste ponto as estatísticas chamam atenção. 

Segundo a Harvard Business Review, mais de 70% das transações de M&A não atingem o resultado esperado. Um dos principais motivos é justamente a incapacidade de executar adequadamente o plano de integração. 

Apesar de não haver um estudo que trace uma correlação direta entre os impactos do processo de M&A na saúde mental de colaboradores e as chances de sucesso de uma transação, um levantamento feito pela M&A Community, aponta que a retenção de talentos no pós-M&A depende menos de incentivos financeiros e mais de segurança psicológica, senso de pertencimento e gestão transparente da mudança. Falhas nessa comunicação, alertam os autores, podem gerar fuga de talentos antes mesmo da conclusão do deal. 

Sem a atenção adequada à saúde mental, se eleva a chance de perder colaboradores que estariam trabalhando para entregar o plano de integração (para compreender mais sobre o que acontece após o M&A, temos um artigo em nosso blog, aqui).

Compreender os possíveis impactos que uma transação pode trazer sobre pessoas-chave da startup é essencial para avaliar como e quando engajar tais pessoas  no processo. Um ponto pouco comentado também é a possibilidade de haver o que eu chamo de sabotadores  da transação. Eventualmente uma pessoa-chave pode ser levada a atitudes que jogam contra a transação justamente por estar motivada pelos sentimentos de incerteza e insegurança que foram tratados acima. Novamente, estar atento à forma como as pessoas reagem ao novo cenário permite aos líderes da transação (e aqui incluo comprador, vendedor e também assessores) ouvir e compreender os receios dessas pessoas-chave, tentando por um lado trazer tais considerações na já complexa equação da transação, mas também trazendo para tais colaboradores o cenário mais amplo, permitindo que eles enxerguem o lado positivo da transação que por vezes não está claro.

Como mitigar esses riscos

Tendo lido até aqui, o panorama pode soar pouco animador e até contra intuitivo. Afinal, se há tantas chances de insucesso, por que tantas empresas (compradores e vendedores) perseguem mais M&As? A resposta não é simples, mas deixo aqui minha contribuição sobre o tema: M&A é provavelmente o tema mais complexo dentro do campo de finanças corporativas. Complexo porque envolve não apenas finanças, mas também análise de mercado, estratégia e, como discutido até aqui, um componente humano que traz uma miríade de variáveis para a equação. Além disso, há uma pressão natural para que as transações ocorram. Por um lado, consolidadores precisam avançar em aquisições para alavancar crescimento inorgânico, entrar em novos mercados, entre outros. Por outro lado, investidores e empreendedores em algum momento precisam de liquidez. 

Os riscos envolvendo uma transação precisam ser previamente avaliados e endereçados, elevando assim as chances de sucesso de uma transação. Destaca-se que apesar das elevadas taxas de insucesso de transações de fusões e aquisições, o insucesso se concentra justamente naquelas operações que negligenciaram a importância do processo de integração e o fator humano dentro de um processo de aquisição. Em outras palavras: para aqueles compradores e vendedores que conseguem trabalhar adequadamente as variáveis não óbvias de um M&A as chances de sucesso são consideravelmente maiores. Aqui eu destaco algumas destas variáveis que compõem o lado muitas vezes invisível do M&A:

 

  1. Preparação emocional dos fundadores
    Mentores, conselheiros ou terapeutas podem ajudar o empreendedor a lidar com o processo com mais clareza e estratégia. Independente de estar avaliando ou se preparando para um processo de M&A, essa é uma recomendação que faço a todos os empreendedores. Só há upside em seguir com essa recomendação.
  2. Comunicação assertiva e empática com os times
    Mesmo quando nem tudo pode ser revelado, a forma como se comunica gera (ou destrói) confiança. É importante que o time e pessoas-chave confiem em sua liderança. Lembre-se que nos comunicamos mesmo sem falar. Dessa forma, pessoas-chave podem captar pequenas mudanças de rotinas e hábitos quando se avança numa conversa de M&A e a ausência de uma comunicação assertiva pode gerar o ambiente de insegurança e incertezas que mencionamos acima.
  3. Mapeamento e retenção de talentos-chave
    Conversas francas e planos de continuidade evitam a perda de ativos humanos críticos. Este é um ponto sensível, pois a comunicação precisa ser feita no momento certo e da forma adequada. 
  4. Avaliação e respeito ao cultural fit
    A compatibilidade entre os estilos de gestão e os valores das empresas deve ser tratada com a mesma seriedade dos números. É fundamental conhecer a nova casa, quem serão seus novos pares. Eventualmente o fundador, que até outro dia era dono, passará a ser executivo e terá, às vezes de forma inédita, superiores. Compreender esse novo ambiente e a nova cultura é fundamental para aumentar as chances de sucesso na transação.
  5. Esteja bem assessorado
    Um processo de M&A é um evento único e muito pessoal. Como vimos aqui, há muitos fatores envolvidos e o processo de decisão quase nunca é 100% racional. Contar com uma assessoria experiente vai te ajudar a te blindar de problemas usuais que surgem no meio do caminho e também te orientar sobre os melhores caminhos a seguir.

 

Adicionalmente, destaco sempre para sócios minoritários e executivos que a aquisição não é o fim da história, mas muito provavelmente o início de um novo capítulo. É comum haver uma certa resistência entre sócios minoritários ou executivos-chave a uma transação dado o receio de que eles percam relevância ou até mesmo venham a ser descontinuados na empresa. Contudo, eu chamo atenção para avaliarem também o copo “meio cheio”. Não é raro observar que funcionários e executivos de uma empresa adquirida cresceram na corporação consolidadora após a transação. 

Pessoalmente eu conheço alguns exemplos de executivos que conseguiram crescer na carreira após passarem por um processo de aquisição. Afinal, é comum que num grupo maior surjam também novos desafios - que podem abrir novas portas. Um belo exemplo é do meu colega Cleiton Masche, hoje CEO da Hiper. Lembro que cheguei a participar de algumas entrevistas dele, quando estava como conselheiro da Hiper e ele entrou como controller. Após a venda para a Linx ele não só continuou na startup mas conseguiu avançar para novas posições. Assim como ele há diversos exemplos semelhantes.

"Processos de M&A carregam uma carga enorme de riscos e incertezas. Com potência semelhante, surgem grandes oportunidades. Esteja preparado." (Cleiton Masche, CEO da Hiper)

Conclusão

Para empreendedores, o processo de M&A é único. Mesmo para aqueles que têm a sorte de passar por esse processo mais de uma vez, uma experiência não é igual à outra, dado que envolve contextos, valores, compradores e, no final do dia, pessoas diferentes. Já sabemos, por autores de ciência comportamental, que o processo de decisão não é 100% racional e o fator emocional tem um peso forte em nossas decisões. Soma-se a isso o fato de que quando se trata de vender uma companhia para a qual você dedicou anos de sua vida, onde você encontra colegas com quem divide horas de sua semana e até projetos futuros, o componente emocional tende a ser ainda mais relevante.

É nesse contexto que uma boa preparação para o processo faz diferença, pois há muitos detalhes que podem passar despercebidos. Como discutimos aqui, o impacto do processo de M&A sobre colegas, colaboradores e pessoas-chave não deve ser menosprezado. Comunicação clara com equipe e cuidado com cultura organizacional são elementos fundamentais para evitar que os impactos emocionais negativos comprometam a integração das empresas. Ao adotar uma abordagem proativa e centrada nas pessoas, empreendedores podem transformar um momento de grande incerteza em uma oportunidade de crescimento e sucesso sustentável.

Afinal, M&A não é somente sobre valuation, sinergias e contratos. É também, e talvez principalmente, sobre gente!