Como empreendedor que está construindo sua empresa de tecnologia, é natural que o tema da captação de investimentos surja em algum momento. Há ampla discussão e material disponível sobre a "pré-captação" de venture capital: como preparar seu material para os investidores, estruturar seu pitch e entre outros.
Mas, e quando você já recebeu propostas de investimentos, acordou com os potenciais investidores sobre o valuation, aporte e o destino dos recursos? Será que está tudo resolvido?
Infelizmente, não.
A boa notícia é que grande parte do trabalho relacionado à captação está quase no fim. No entanto, é nesse ponto que podem surgir problemas: na pressa de receber o aporte, alguns empreendedores negligenciam a discussão dos termos do contrato, deixando de contratar assessoria jurídica adequada ou recorrendo a profissionais que não estão familiarizados com o contexto das startups.
Nos primeiros meses ou anos, tudo certo. Mas, em algum momento, o contrato pode reaparecer, e as cláusulas às quais você pode não ter dado a devida atenção ou não recebeu a melhor orientação, podem acabar prejudicando novos planos de captação, a venda da empresa ou até mesmo a operação no dia a dia.
Já vimos muitos fundadores que, focados no aporte, negligenciaram os termos do contrato, assinando acordos que os impediam de realizar a venda da empresa em certos casos, ou enfrentavam divergências na condução dos seus negócios.
Com isso em mente, este texto tem como objetivo destacar as principais cláusulas nos contratos de investimentos, apontando como negociá-las e o que deve ser considerado.
Antes de abordarmos as cláusulas, é importante fazer uma distinção sobre o tipo de contrato a ser utilizado: qual é o mais adequado?
É comum que o investidor encaminhe sua minuta ao empreendedor, e a escolha dependerá de alguns fatores.
O mais utilizado para as empresas constituídas no Brasil como Sociedades Limitadas é o contrato de mútuo conversível. Ou seja, uma dívida que pode ser convertida em participação societária, a critério do investidor e demais requisitos. Este contrato inclui os direitos e obrigações das partes em relação à dívida, assim como os no caso de conversão, quando as partes efetivamente se tornam sócias.
Com a startup mais consolidada, a conversão ocorre, geralmente condicionada à transformação em Sociedade Anônima (S/A). Caso a empresa já seja uma S/A, os investidores tornam-se sócios diretamente, formalizando a relação em Acordo de Sócios e demais documentos aplicáveis.
Sobre o SAFE
O SAFE (Simple Agreement for Future Equity), embora amplamente utilizado nos Estados Unidos, não pode ser aplicado no Brasil. Por não se enquadrar em nossa legislação, já que ele não é considerado nem equity, nem uma dívida, não há validade caso sua estrutura seja utilizada para empresas nacionais.
Por conta dessa lacuna jurídica, o SAFE é utilizado por startups constituídas fora do país e que recebem aportes de investidores internacionais.
Embora exista proposta de alteração no Código Civil para criar um contrato semelhante ao SAFE por aqui, essa mudança ainda não foi implementada, além de que há controvérsias contábeis nessa alteração.
Cada investimento é único
Cada empresa, portanto, exigirá o instrumento mais adequado à sua estrutura. Mas há um padrão na indústria quando falamos das regras do jogo, ou seja, há termos que aparecem em praticamente todas as rodadas de investimentos. Alguns são os que você deve ficar atento, dado que o investidor se tornará, no presente ou no futuro, seu sócio.
A seguir, as principais cláusulas que compõem essa relação:
Drag Along → Dá ao sócio majoritário o direito de obrigar o minoritário a vender suas ações junto com ele, caso receba uma oferta para vender o controle ou 100% da empresa. Em Venture Capital, é comum que o empreendedor seja o majoritário, utilizando esse direito para garantir que seus investidores e demais sócios minoritários vendam suas ações também.
Atente-se ao fato de que o investidor pode inserir apenas Tag Along no contrato. Também é possível que o investidor solicite um piso mínimo, ou seja, um valor base para que o Drag Along possa ser exercido:
Verifique se este piso condiz com a realidade da sua saída. Por exemplo, não adianta inserir um Drag Along de no mínimo 7x com base no valuation de R$20M, se empresas como a sua no Brasil são vendidas por em média R$80M.
Tag Along → Se Drag Along protege o majoritário, Tag Along faz o mesmo trabalho para o minoritário. A cláusula garante a opção destes (geralmente investidores) venderem suas ações nas mesmas condições oferecidas aos majoritários, geralmente os empreendedores.
Liquidation Preference → Garante que os investidores recebam, geralmente em eventos de liquidez, um valor mínimo equivalente ao aporte realizado, com um múltiplo pré-estabelecido, e antes que os demais sócios.
Exemplo: um investidor aportou R$1M há alguns anos por 10% de uma empresa que valia então R$10M, sendo combinado liquidation preference de 3 vezes. O empreendedor logo depois vende a empresa por R$20M, o que retorna R$2M ao investidor em razão dos 10% que detinha. Em razão do liquidation preference acordado, o mínimo que o investidor deve receber é R$3M.
A cláusula é importante pois garante ao investidor receber o esperado do investimento, sem “prender” você, caso queira vender sua empresa por um valor menor do que o imaginado entre vocês. O mesmo vale para novas rodadas, caso o investidor possa ou deva sair da empresa por solicitação do novo fundo (bem comum em rodadas Série A acima e Private Equity).
Assim como no Drag Along, o múltiplo deve ser condizente com a sua saída. Se for adequado, é ótimo, pois gera segurança tanto para você quanto para o investidor.
Contudo, se o múltiplo for muito elevado, essas duas cláusulas podem travar operações. Ressalto que o valuation dos compradores é geralmente calculado de forma diferente que no Venture Capital, tendendo a ser menor.
Cláusulas de governança → É comum serem estabelecidas matérias que precisam da aprovação dos investidores, com inclusive poderes de veto e/ou voto e quórum específico para aprovação delas. Contrair grandes empréstimos, realizar venda da empresa e ajustar o objeto social são alguns exemplos.
O cuidado que evidencio aqui é, caso você seja uma LTDA no início da jornada, não estabeleça tantas regras de governança engessadas. Muitas delas serão aplicadas apenas no futuro, e em pouco tempo, muito pode mudar.
Comprometer-se com um conselho muito robusto que pode não acompanhar a evolução da empresa, pode ser prejudicial para o longo prazo do negócio.
Não concorrência → Obriga os fundadores a não trabalharem, serem sócios ou de qualquer forma participar de atividades concorrentes com a empresa. É comum que, caso algum sócio saia, este fique alguns anos com essa restrição válida.
Independentemente de haver investimentos, essa obrigação também protege os atuais sócios entre si. Caso você tenha sócios, mesmo que não esteja recebendo investimentos, é recomendável que essa obrigação esteja prevista em acordo de sócios.
Lock up (de ações e de gestão) → É uma obrigação na qual os fundadores asseguram que vão permanecer na Sociedade na qualidade de sócios (lock-up para não ocorrer a venda de suas ações). Já que neste momento da empresa é esperado que os fundadores possuam funções executivas e/ou operacionais na Sociedade, há também o lock-up de gestão, para que o empreendedor trabalhe de forma integral por algum tempo determinado.
Conclusão
Há outras cláusulas comuns, dependendo do estágio da empresa, tamanho e complexidade da rodada, bem como o número de investidores envolvidos. O ponto central aqui foi garantir que, como empreendedor, você conheça as cláusulas que podem impactar diretamente seu poder de decisão sobre o futuro da empresa.
Esteja bem assessorado e alinhe as expectativas dos investidores com as suas, não só em relação às metas operacionais da empresa, mas, principalmente, quanto à liquidez do investimento. Assim, você garante que todos saiam satisfeitos e alinhados com os objetivos da empresa.