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Celcoin: os bastidores de quem constrói a infraestrutura do sistema financeiro brasileiro

Escrito por Anderson Wustro | Sep 23, 2025 2:00:00 PM

Quando pensamos em fintechs, geralmente lembramos de aplicativos coloridos, cartões de crédito sem anuidade e campanhas de marketing ousadas. Mas, por trás dessa vitrine, existe uma engrenagem invisível que permite que tudo isso funcione. A Celcoin, fundada por Marcelo França, é uma das peças centrais dessa transformação — e talvez o melhor exemplo de como estar “atrás das cortinas” pode ser mais estratégico do que estar sob os holofotes.

De lotéricas ao smartphone: a gênese de uma ideia

 

Marcelo acumulou experiência em instituições como Lemon Bank e Investshop, sempre na interseção entre tecnologia e serviços financeiros. Foi observando um detalhe simples — milhões de brasileiros indo a correspondentes bancários e lotéricas todos os meses — que ele percebeu a oportunidade: se todos já tinham um smartphone no bolso, por que não digitalizar esse processo?

Assim nasceu a Celcoin, em 2016, inicialmente como uma conta digital. O primeiro modelo B2C mostrou-se caro e complexo, mas abriu caminho para algo maior: disponibilizar sua infraestrutura via APIs para que outras fintechs e empresas pudessem se conectar. Na prática, a Celcoin se tornou um backbone financeiro, habilitando dezenas de negócios a operarem.

A grande virada: de B2C para B2B

 

Abandonar o consumidor final exigiu não só ajustes operacionais, mas também desprendimento emocional. Como lembra Marcelo, “foi preciso abrir mão da vaidade”, já que as fintechs clientes apareciam nas propagandas enquanto a Celcoin seguia “escondida” nos bastidores.

Esse reposicionamento trouxe escala: um único cliente pode carregar milhões de usuários embaixo dele. Hoje, a Celcoin atende mais de 750 empresas, incluindo fintechs, bancos e grandes corporações que desejam oferecer serviços financeiros de forma integrada, atuando em três grandes frentes:

  • Pagamentos: Pix, cartões, subadquirência, integração com concessionárias e órgãos públicos.
  • Banking: infraestrutura de contas, ledger próprio e soluções de Banking as a Service e Core Banking.
  • Crédito: esteira completa de originação, concessão e cobrança, apoiada por uma licença de SCD.

Além das fintechs, um novo mercado começou a ganhar força: empresas não financeiras que querem monetizar sua base com produtos embutidos, como varejistas que oferecem crédito próprio ou indústrias que antecipam recebíveis para seus distribuidores.



O jogo da captação: cinco rodadas, R$ 800 milhões e muito aprendizado

 

De 2019 a 2024, a Celcoin levantou mais de R$800 milhões em cinco rodadas. Cada estágio trouxe desafios distintos:

  • Friends & Family e bootstrapping: sobrevivência e resiliência.
  • Primeiro institucional (duas rodadas com Vox Capital): governança e estruturação.
  • Rodadas intermediárias (Innova Capital): expansão e consolidação.
  • Growth (Summit Partners): cheque de R$650 milhões para acelerar M&As.

O ponto comum? Nenhuma rodada foi “fácil”. Segundo Marcelo, o relacionamento de longo prazo com investidores foi decisivo. Muitos fundos que entraram já acompanhavam a empresa por anos antes do aporte.

Cada rodada trouxe mais do que capital: a governança da Celcoin evoluiu junto, saindo de um modelo informal, baseado na confiança dos fundadores, para estruturas cada vez mais robustas com a entrada dos fundos. Marcelo reforça que não existe ‘receita de bolo’ para lidar com VCs — é preciso resiliência para ouvir os ‘nãos’ e cultivar relacionamentos de longo prazo. 


Aprendizados da jornada sobre valuation

A lição é clara: números de valuation exageradamente altos podem virar armadilha. Melhor construir um caminho sustentável do que virar refém de expectativas irreais.

E como valuation é um tema sempre sensível e de interesse dos founders que nos acompanham por aqui, ressalto que essa visão ecoa a tese defendida por Edson Rigonatti, da Astella Investimentos, no podcast Better Deals. Ele resume que o melhor cenário não é o valuation mais alto, mas o “valuation de fechamento” - aquele que viabiliza o crescimento sem engessar rodadas futuras. 

Essa perspectiva também se conecta ao que a Questum discute em “O que determina as negociações M&A, VC e CVC”: mais do que números, a qualidade dos fundos e o alinhamento de expectativas são determinantes para o sucesso das rodadas.

A tese de M&A: completar o Lego da infraestrutura

Desde 2021, a Celcoin vem combinando crescimento orgânico e inorgânico. Foram cinco aquisições em áreas complementares, especialmente em crédito, sempre guiadas por dois critérios centrais: qualidade do produto e qualidade dos fundadores.

Para Marcelo, M&A é mais do que integrar sistemas: é trazer empreendedores para continuar empreendendo dentro da Celcoin, maximizando o potencial dos dois lados. Mas há uma linha vermelha: ética e transparência são inegociáveis.

Conselhos para empreendedores

 

No fim do papo, Marcelo compartilhou aprendizados que soam quase como mantras para quem está nessa jornada:

  • Não morra. A resiliência é o ativo mais importante.
  • Cultive relacionamentos cedo. Captação não é transacional, é relacional.
  • Não maximize cada centavo. Melhor um valuation justo que permita o negócio prosperar do que um número bonito que vira problema.
  • Dividir para multiplicar. Investidores não são só capital, mas parte do time.

O que podemos aprender com a Celcoin?

Talvez o maior insight seja que há muito valor em estar “atrás das câmeras”. Enquanto alguns correm atrás do usuário final, a Celcoin entendeu que poderia ser a infraestrutura invisível de todo um ecossistema — e, com isso, crescer junto com dezenas de fintechs e corporações.

No fim, como Marcelo resumiu: “O sucesso do cliente é o nosso sucesso.”